José Sérgio, o último dos Jangadeiros.
Elvécio Eustáquio da Silva (2007)
“Os
jangadeiros circulavam durante o ano todo. Com as enchentes, porém, o tráfego
fluvial era bem mais facilitado e utilizado com maior freqüência, apesar de ser
mais arriscado. Nestas jangadas, vindas de Macacos, Taquary, Santo Antônio e
Pedra Furada, também desciam pessoas, aves, ovos, porcos, produtos rurícolas.
Eram regiões produtoras que movimentavam o comércio, proporcionando abundância
na localidade.
Desapareceram
os jangadeiros. José Francisco, Raimundo Anselmo, José Sérgio, José João
Batista e José Luiz, talvez tenham sido os últimos”.
Filho, José Baptista. Adeus São
José da Lagoa, Rio de Janeiro: Mergulhar – 1992, p.117 a 118.
E
segundo a mesma fonte, “Geraldo Gomes da Silva, o maior de todos. O príncipe
dos jangadeiros. Tipo atlético e elegante no manuseio da vara, no comando de
uma jangada, as maiores e as mais pesadas. Audaz e valente, não teve similar”.
Procedente
do município de Santana de Ferros, a família de Geraldo Gomes da Silva, aqui se
instalou no ano 1933, na localidade denominada São Sebastião da Pedra Furada,
ou simplesmente Pedra Furada.
Mas
primeiramente, aqui chegou em 1930, a sua irmã, a professora Izabel Gomes da
Silva.
Desde
1925, lecionava no distrito de São José do Passabém, onde ela já era efetiva e
a seu pedido, foi transferida para o próspero distrito de São José da Lagoa,
preservando-lhe os direitos já adquiridos, e assim criando uma base de apoio
para concretizar a sua vontade de transferir também a sua família para esse
distrito, onde ela viveu e deixou raízes e ela lecionou até aposentar-se. Esta
determinação foi motivada pela projeção desta terra em toda a região devido à
chegada dos trilhos das estradas de ferro, e dos rumores acerca de breve
emancipação política, que entusiasmava a todos e que ela já vivenciava e visionária
que era acreditar em um futuro promissor para esta cidade.
Em
29 de Julho de 1939 foi oficializado, solenemente na Igreja Matriz São José da
Lagoa o casamento de Geraldo Gomes da Silva com Maria Iria de Carvalho. Ele, filho
de Marcolino Justino da Silva e Augusta Gomes Ribeiro. Ela filha de José
Martins de Cristo ou de Carvalho e Maria Escolástica Costa que viviam no
Taquary, localidade onde os recém-casados também passaram a residir.
Progressivamente,
Geraldo Gomes foi interagindo com a cultura local, ele foi se transformando em
um penitente: condição para encontrar o lendário tesouro do “Cristo Velho”, mas
esta é outra história.
No
imaginário popular, as águas do rio eram traiçoeiras, infestadas de males,
habitat de cablocos d’água e cobras medonhas, além das repentinas mudanças de
tempo, ocasionando ventanias e tempestades no percurso dos jangadeiros, assim
aumentava o risco do ofício.
Intempéries
e crendices, somados ao meu olhar infantil referente à atividade de jangadeiro
outrora comum, e que naqueles idos já se encontrava quase em extinção, exercida
por muitos e não só pelo titular deste ofício que eu conhecia o meu tio José
Sérgio Dias. E assim, o rumar do tio, do Taquary até o Porto das Barcas, na
área central de Nova Era, por mim, era vista como uma façanha, fantasiada, uma
grande aventura – um arrepio só.
No
Taquary, às margens do Rio Santa Bárbara, nasceu José Sérgio Dias, e lá ele
permaneceu e constituiu família. No seu pequeno patrimônio que lhe coube por
herança de seus pais, ele residia e mantinha uma chácara, desenvolvendo também
agricultura de subsistência, vendia o excedente da produção. Patrimônio que
permanece em poder de alguns de seus herdeiros.
Mas
jangadeiro era sua chancela profissional, esta essencialmente diurna. Homem
simples, pele branca, queimada ao sol, magro, alto, fala mansa e de pouca
conversa. Taquary era seu porto, estaleiro, onde ele montava suas jangadas.
Geralmente ele vinha sozinho. Era um jangadeiro solitário.
Segundo
Sr. Antônio da Cruz Simões, o Sô Nico, 80 anos (em 2007), no tempo da seca,
principalmente após a construção da barragem da usina hidrelétrica, na década
de 40 do século XX, no Jacuí, em João Monlevade, quando fechava a comporta da
mesma, as águas baixavam tanto que, próximo à sede da Fazenda Barra Vinte
(local que pertence à Cenibra e nele funciona o seu escritório) as jangadas não
conseguiam ultrapassar e lá permaneciam atracadas até o dia seguinte,
aguardando o nível das águas subir, mas que José Sérgio era habilidoso no remo,
conseguia transpor este obstáculo e seguir adiante.
A Jangada
Não
encontrei nenhuma bibliografia relacionada às jangadas, que eram comuns aqui no
Rio Piracicaba e nos cursos de água doce em geral. Elas eram utilizadas por
populações ribeirinhas, especificamente para transpor mercadorias diversas,
sustentando durante décadas, o intercâmbio comercial, destas comunidades com a
sede. O que não impedia o jangadeiro de dar carona às pessoas, que aproveitavam
oportunidade “para vim à rua”, numa viagem mais confortável para resolverem
alguns problemas.
Apesar
da incidência deste meio de transporte sobre as águas do Rio Piracicaba, não se
tem conhecimento de nenhum registro a respeito nem escrito e nem fotográfico,
referente ao mesmo.
Muitas
vezes eu estive presente ao desmonte de jangadas no Porto das Barcas, pois ela
era um meio de transporte sem volta. O jangadeiro regressava a pé ao seu local
de origem. Segundo Sr. Antônio de Pádua Pereira, 86 anos(em 2007), não existia
uma medida padrão para jangadas, o que determinava as medidas era o volume das
encomendas a serem transportadas. Quando apenas lenha para o fogão doméstico e
outros usos a jangada era mais estreita. Feixes de bambu eram utilizados como
bóias e lastros, quanto mais peso transportava mais bóia era necessário. Ele
recorda de um jangadeiro do Taquary trazendo em uma viagem 20 dúzias de candeia
de grande porte, muito peso, encomendadas por Oscar de Araújo. Sendo morador na
Fazenda Barra Vinte sempre observava o movimento das jangadas, era uma viagem às
vezes tranquila, a jangada ia deslizando no meio do rio, e o jangadeiro ia
sentado fumando um cigarrinho de palha ou merendando. E nos trechos de maior
obstáculo, principalmente quando o nível das águas se encontrava mais baixo,
dependia muito da perícia do jangadeiro para desviar de pedras, barranco e não
ficar interditado.
Valendo
o meu testemunho, se não me falhe a memória as jangadas tinham uma estrutura em
formato retangular, mais ou menos 6m x 4m montada com toras de imbaúba e
usava-se cipó para atrelar uma peça na outra. Tanto nas peças verticais e
horizontais deste retângulo, sobrava mais ou menos 1 metro em cada ponta.
Outras toras de imbaúba eram colocadas na horizontal, no meio desta estrutura,
como também mais algumas na vertical. A forração da jangada se completava com
feixes de taquara, que também tinham a função de lastro e de bóia. Geralmente
um galho de árvore com alguns ganchos, era levantado mais ao centro da jangada
para dependurar um saco com uma muda de roupa e a botina para volta. Um
cobertor velho que o jangadeiro sempre usava jogados às costas, protegendo-lhes
um pouco do sereno e do frio. Um embornal com alguma merenda, uma cabaça com
água, o inseparável facão, uma foice e um porrete de mulato, também ali bem à
vista. O jangadeiro sempre de chapéu de palha, calças arregaçadas, pois ainda
os homens daqui não usavam calção em público. A entrega das encomendas é que
determinava o local ou locais das paradas. Alguns preferiam o Porto das Barcas,
por sua localização central.
Antigamente,
fatores naturais aconteciam sistematicamente sem muita alteração, assim sendo,
o ano se dividia em tempo das águas e em tempos de seca. As primeiras chuvas
surgiam no mês de setembro e prolongavam até o mês de janeiro. E os jangadeiros
aproveitavam bem o início das cheias, as viagens eram mais tranquilas, rápidas
e o ideal para transporte de cargas mais pesadas, como de grandes toras de
madeira. No mais, a largura do rio variava de 20 a 120m e o declive da sua
calha propiciava o bom desempenho dos jangadeiros.
Já
nos dias de ápice das cheias, que geralmente aconteciam no mês de março, a
famosa enchente do São José, os jangadeiros não facilitavam, era um período de
risco.
Mercadorias
A nossa região, nas primeiras
décadas do século XX, passou por uma série de impulsos progressistas. E nesta
dinâmica o distrito São José da Lagoa passa a consolidar o seu espaço urbano,
quase que, redesenhado. Consequentemente novas demandas, inclusive a
habitacional foram surgindo. Estas demandas impulsionaram as relações
comerciais da sede do distrito com comunidades ribeirinhas existentes ao longo
do rio Piracicaba e do rio Santa Bárbara, tendo às vezes, como intermediários
ou terceirizadores, os jangadeiros, que nem sempre dispunham de mercadoria
própria para comercialização. Produtos rurais, alimentícios, eram transportados
rio abaixo, inclusive pequenos animais, mas o forte era a comercialização de
madeiras para serem utilizadas em construções que em sua maioria edificadas
através do sistema pau-a-pique. Comercialização que só era possível através de
encomendas prévias. Entre outras espécies de madeira, a pindaíba foi
transportada em grande quantidade, ela era utilizada para caibos, como também
madeiras para andaimes e outras de maior espessura. Estas eram lavradas a
machado, ou desdobrada no gupião e eram utilizadas para diversos fins. Esteiras
para forro, ou a taquara para que as mesmas fossem confeccionadas aqui, como
também as taquaras eram usadas para ripamento e nas construções de paredes de
pau-a-pique.
Para
um bom relacionamento entre as vizinhanças era necessário quintais bem
cercados, pois, quase todas as famílias cultivavam hortas, criavam galinhas,
porcos, e às vezes cabritos. Para manutenção das cercas exigia-se um grande
consumo de bambu, candeias e rachas de braúna para esteio. Segundo Sr. Antônio
da Cruz Simões, 80 anos (em 2007), trazia também ripas de coqueiro, que eram
utilizadas no engradamento de telhados e que esse material de uso muito antigo
era de grande durabilidade. Estas cercas, aos poucos, foram sendo substituídas
por muros de alvenaria e telas de arame. As madeiras roliças para caibros e
toros para serem aparelhados, desdobrados, foram sendo substituídas por
madeiras cerradas oferecidas por Serrarias e pelo comércio local.
O
comércio local de produtos alimentícios, também, aos poucos, foi ampliando as
suas ofertas, minando paulatinamente o intercâmbio comercial direto da zona
rural com a população da cidade. E assim, nos primeiros anos na década de 60
desapareceram definitivamente os jangadeiros.
José
Sérgio, o jangadeiro solitário, não resta dúvida, foi o último jangadeiro.
Devo
esclarecer que o intercâmbio comercial com a zona rural, ribeirinha, não se
dava só através dos jangadeiros. Pois, animais eram conduzidos de rua em rua,
com suas cargas e mercadorias diversas iam sendo negociadas. Como também assim
procediam as vendedoras ambulantes, com seus balaios na cabeça, principalmente
da Pedra Furada, atividade que ainda, algumas insistem em preservar. Mas as
cargas de rapadura e dúzias de queijo geralmente eram vendidas no atacado para
serem revendidas no varejo, sistema que ainda vem sendo mantido.
A chegada
Do
tio José Sérgio, lembro muito bem, era recebido com alegria. Ele chegava sempre
molhado, conseqüência do ofício, consequentemente do tempo de garoa, chuva
fina, ou mesmo tempestade. Sempre no horário de 10 às 13:00 horas, disputando
espaço com as lavadeiras no Porto das Barcas e interrompendo o trabalho de
alguns faiscadores.
Depois
de entregar as encomendas, o desmonte da estrutura da jangada, e lá estava o
velho e misterioso José Gregório, com seu machado afiado, picando as toras de imbaúbas,
que eram levadas para casa dos meus pais, na entrada da rua dos Bandeirantes, e depois
de secas abasteciam um grande forno, onde minha mãe, semanalmente, produzia várias fornadas de quitanda, e também um fogão a lenha, onde doces eram
produzidos em um antigo tacho de cobre. Às vezes, também eram depositados no
quintal lá de casa, bambus que vinham como lastro da jangada. Mas a expectativa
maior ficava por conta de algumas frutas de época que ele trazia para nós. Como
também, entre outras prendas, espigas de milho verde, abóboras, mandiocas,
frangos e ovos.
Em
casa, ele chegava para almoçar, mesmo que chegasse mais tarde, a comida estava
disponível no fogão a lenha em panelas de ferro, quentinhas, como também o bule
de café. Antes de almoçar ou mesmo depois, passava água no rosto, lavava os pés
na bacia, na água quente. Trocava de roupa, calçava botina depois de um
descanso e uma prosa, dava uma volta pela cidade, fechando novos negócios,
imprescindivelmente comprava o sal e a querosene e algumas encomendas, partindo
na barra do dia seguinte.
Na
paisagem fluvial do rio Piracicaba foram deletados os atores do passado,
garimpeiros, jangadeiros, lavadeiras que tinham cada uma seu território
delimitado, com as suas lages de pedra para bater a roupa, sempre alguns anzóis
deixados armados, num bater e esfregar a roupa, num cantarolar, estrume de boi
e bucha de São Caetano para alvejar, espuma e bolhas de sabão levando mágoas
correntezas abaixo. O tempo remando a vida e a vida remando o tempo e para
afastar a tentação do sujo não deixava de rezar o credo.
As
transformações socioculturais e urbanísticas sepultaram este logradouro com
todos os seus atores, mas permanece a nomenclatura, Travessa das Barcas, beco
por onde se dava acesso ao referido logradouro, e dele a rua Santa Rita, o
largo e Travessa dos Garimpeiros, onde
se encontrava uma espécie de hospedagem provisória, que era alugada aos
faiscadores. O chafariz, o pé de saboneteira no centro do largo, o cruzeiro
enfeitado para festa, rezas intermináveis, os docinhos, o café com quitanda e
licores. Outrora a Capela de Santa Rita, dela restando apenas a sineira de
braúna, onde crianças subiam para dar uma repicada no sino e saíam em
disparada. As transformações aqui também deixaram as suas marcas, deletando a
todos os símbolos. No lugar da velha Capela um moderno hospital e uma nova
Capela, tendo como capelão o Padre José,
onde aglomerava uma multidão no dia 3 de fevereiro para receber a bênção
no dia de São Brás. O moderno hospital também tornou-se obsoleto e um moderníssimo
foi construído lá no bairro Centenário.
O velho cruzeiro de Santa Rita foi transferido para o morro de Quincas Honorato. No grande esplanado com suas mangueiras, pouso de circos, parques e ciganos, o novo prédio do Grupo Escolar “Desembargador Drumond” foi erguido.
O velho cruzeiro de Santa Rita foi transferido para o morro de Quincas Honorato. No grande esplanado com suas mangueiras, pouso de circos, parques e ciganos, o novo prédio do Grupo Escolar “Desembargador Drumond” foi erguido.
O
beco dos Garimpeiros tornou-se um cortiço de mulheres idosas, Sá Benedita que
falava que ela era do tempo de escravidão. Sá Marinácia, que não fartava carne
em sua panela, sempre tinha ali um gambá de reserva, já preparado. Ela sentada
à porta de seu cubículo, de prato na mão, lambendo os dedos, saboreando seu
naco com um pouco de farinha e repartindo
pedacinhos da carne entre as crianças presentes. Algumas chapeleiras ali
no seu ofício aproveitando um momento ensolarado, para algumas pessoas, Sá
Marinácia era tida como feiticeira e agourenta, mal ocorria a notícia de um
falecimento, já ia ela, grave, triunfante, solene, levando uma coroa de ramos
de cipreste e flores de papel crepom. Na calçada da porta de sua casa Geraldo
Pinheiro, ali com seus truques e mágicas, com grãos de milhos, feijão, moedas e
baralhos, provocando encantamento. Onde foi erguido o prédio para sediar a
Prefeitura Municipal, residia entre outras pessoas, Dona Juraci, diziam que ela
era italiana, para a qual toda a meninada da rua e adjacências recolhiam
tanajuras que ela utilizava para preparar uma panelada de farofa. Ficavam todos
ali de prontidão, água na boca, para saborearem o exótico quitute, que recebiam
às colheradas em suas mãozinhas sujas.
Ao
anoitecer, o Sr. José Bruno, marido da mulher Juraci com seus causos
horripilantes, aterorizava a rapaziada de olhos arregalados e cabelo em pé
direto cada um para a sua casa, e no tempo da quaresma nem se fala...
Ali
também onde se encontra o prédio da Prefeitura é que era realizado a chácara do
Judas, no sábado aleluia ao meio dia com direito a leitura de testamento e
foguetório e muita alegria. A rua de Santa Rita que popularmente denominada do
cascalho, em 1940, passou a denominar-se rua João Pinheiro. Cascalho também foi
um referencial da rua dos Bandeirantes, resíduos do tempo da mineração
aurífera. Anteriormente Aroeira, que passou a ser nome do Bairro que a mesmo se
insere. Depois São Vicente, a partir de 1940, rua dos Bandeirantes, nome que
permanece.
A
nossa cidade quando ainda São José da Lagoa, distrito de Itabira, por
determinação do decreto nº. 12 de 30 de Julho de 1938, a rua da Aroeira perde
esta antiga denominação e passa a se chamar rua São Vicente. E assim homenagear
Associação das Damas de São Vicente, pelo relevante trabalho humanitário que
essa associação desenvolvia. Desde os primórdios do século XX essa associação
se encontrava sediada em pequeno imóvel na referida rua. Onde hoje se encontra
a referida Igreja Presbiteriana, e anteriormente um cabaré, que era conhecido
como Bar do Brandão. Na década de XX essa associação foi transferida para um
amplo imóvel situado na Praça da Matriz, em esquina com a rua Gaspar de Morais,
antes em esquina com a Travessa Padre Antônio, que correspondia ao trecho, do
Cemitério à Praça da Matriz. A Gaspar de Morais, partia da rua Governador
Valadares até o Cemitério, antes rua de Trás.
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